segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um sonho que se faça prado...

Retenho sempre alguma da tua luz que me regressa em versos à distância, na pose de um beijo que pousas nos meus lábios. A cada instante cresce dentro de mim a tua voz a ser oração e melodia. E a luz faz-se num dia mais rosa em espera de um sonho que se faça prado.

De Raquel para Cosme

sábado, 1 de setembro de 2012

E no mar há uma torre.


E no mar há uma torre
e na torre uma janela,
uma janela em que morre
a minha saudade dela.

De toda a água que corre,
já tão só me fica aquela
que me cerca aquela torre
para não me acercar dela.

De Cosme para Raquel. Introito.

Tema

Este é o registo epistolar trocado entre Cosme de Torres e Raquel de Castro.
Protagonistas de ''Palimsesto'', Elmano d'Argus.



''No novo lar de Cosme abandonara-se o vasto salão e tomava-se a ceia na cozinha. Ficavam todos depois aconchegados em volta do fogão, como numa plateia, cada um em seus lazeres, uns coloquiando ou altercando, outros dormitando, as mulheres nos seus lavoures. Iam-se depois recolhendo um após outro a suas alcovas e ficava sempre ainda Cosme pela noite fora nas suas exaltadas lucubrações.
E naquela noite, a penúltima antes da partida de Cosme, após o último se despedir, entrou Raquel. Requebrou-se discretamente numa vénia reservada e sentou-se ao lado de Cosme, olhando de soslaio. Cosme reparou então que mantinha um quase imperceptível jeito de se balancear para trás e para a frente, como se fora a agulha de um diapasão marcando compasso.
Durante minutos assim ficaram, sem que qualquer comunicação se estabelecesse. Mas depois Raquel tirou do peitilho uma carta e estendeu-a a Cosme. Estava endereçada a Simão de Castro, fechada e lacrada. Cosme guardou-a. Encarou então Raquel e, mais com o olhar do que com qualquer mímica, perguntou-lhe de chofre:

- Quem és tu?

Raquel olhou-o longamente, como se tentasse inventar os sinais adequados para comunicar algo muito vago. Então levantou-se, foi em busca de um tinteiro e de uma pena ao bufete do salão, sentou-se de novo e, num pedaço de papel  perdido, escreveu: Não sei... a filha do enforcado... a surda e muda... perguntai a vosso pai. Ele sabe. Só ele.
Cosme tomou a pena para interpelar: És minha irmã? Raquel negou, abanando peremptoriamente a cabeça. Cosme interpelou ainda: A quarta página?
Raquel teve então uma reacção inesperada. Levantou-se, foi junto de Cosme, ainda começou a gesticular  profusa e atabalhoadamente numa mímica sem sequência, as lágrimas correram-lhe pelo rosto e retirou-se. Não chorava de dor, nem de desalento, mas de raiva.''